Um
estudo realizado pelo educador José Francisco de Santana do Núcleo de Análises e Pesquisas em Políticas
de Segurança e Cidadania (NAPSEC) acerca do perfil dos presos no Estado de Sergipe.
O estudo dentificou que "apesar
das políticas públicas voltadas para o preso, em Sergipe, não há programas ou
projetos desenvolvidos pelo Estado para o acompanhamento dos egressos do
sistema prisional". O estudo concluiu que a situação em Sergipe não
difere da maioria dos Estados brasileiros, mas que há potencial para ajustes
e melhorias. Não se pretende, com esse artigo, apreciar as minúcias
implicadas na delinquência e ou criminalidade humanas uma vez que as
referidas temáticas nos obrigariam a enveredar pelos campos da filosofia,
sociologia e antropologia, no mínimo. Entretanto, considero oportuno
enfatizar que parece haver um equivoco quando pessoas investidas de alguma
autoridade conferida pela sociedade exige, em público, um sistema prisional
de alto nível no Brasil, quando sabemos que o sistema educacional público
brasileiro margeia níveis elementares de qualidade.
O que se pretende com
esta publicação é contextualizar episódios recentes que foram difundidos na
mídia local, por ocasião da visita de representantes do Departamento
Penitenciário (DEPEN) e do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP) ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
(HCTP) do estado de Sergipe. Não tomarei como surpresa, porém, o fato de
algum leitor não perceber a relação da linha editorial desse blog com
a temática colocada nesse momento; por isso, preventivamente, esclareço que o
tema em questão guarda estreita relação com a Reforma Psiquiátrica
Brasileira, a qual foi instituída em nosso país a partir da Lei Federal nº
10.216, de 6 de abril de 2001, sendo necessária, para guardar sintonia com o
Sistema Único de Saúde / SUS, o qual surgiu por força da Constituição Federal
de 1988. De maneira geral, a Reforma Psiquiátrica Brasileira incorporou as
reivindicações do Movimento da Luta Antimanicomial; que se caracteriza pela
luta pelos direitos das pessoas com sofrimento mental. Dentro desta luta está
o combate à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento mental em
nome de pretensos tratamentos; ideia baseada apenas nos preconceitos que
cercam a doença mental. O referido movimento enfatiza que, como todo cidadão,
estes indivíduos têm o direito fundamental à liberdade, o direito a viver em
sociedade, além do direto a receber cuidado e tratamento sem que para isto
tenham que abrir mão das prerrogativas de cidadãos.
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Nesse
sentido, o HCTP representa um equipamento do Governo Estadual, vinculado à
Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor que integra o
Sistema Prisional do Estado. Entretanto, não deve ser confundido com uma
unidade prisional pois trata-se de uma unidade de saúde para onde são
encaminhados indivíduos inimputáveis que cometeram cometem um delito penal. A esses sujeitos é
aplicada a sentença definida como "Absolvição Imprópria" a
qual declara que o fato cometido é típico e ilícito mas o autor da infração
penal é inimputável. Logo, não poderá cumprir pena pela conduta ilícita
cometida e sim cumprirá Medida de Segurança, sob forma de internação
compulsória ou de tratamento ambulatorial. É procedente observar que a medida
de segurança não tem a natureza retributiva como a pena; pelo contrário, a
internação compulsória e o tratamento ambulatorial aplicados ao inimputável
ou semi-imputável devem ser considerados recursos terapêuticos objetivando a
recuperação e reinserção social do sujeito e não um castigo (Artigo 4º da Lei
10.216/2001). No afinco de perseguir a sua missão institucional, o HCTP
possui em seus quadros trabalhadores da área administrativa e área de
segurança; além de profissionais das várias formações do campo da saúde
a exemplo de assistente social, farmacêutico, nutricionista, odontólogo,
psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, e um corpo de enfermagem
constituído por enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de
enfermagem, presente vinte e quatro horas na unidade. A quase totalidade dos profissionais da
saúde que atuam no HCTP são oriundos do Sistema Único de Saúde / SUS de
Sergipe e desempenham as suas atividades neste lugar em função de um Termo
de Cooperação assinado entre as Secretarias da Saúde e da Justiça. Esses
trabalhadores, portanto, representam a presença ininterrupta do SUS na
unidade hospitalar; o que contribui com as ações empreendidas pela direção da
unidade no sentido do acolhimento e integração entre os internos, objetivando
a ressocialização.
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É fato
inconteste que o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Sergipe /
HCTP, a exemplos de outras unidades "sui generis" do país,
possui problemas estruturais, logísticos e operacionais que comprometem as
condições para as boas práticas laborais e, consequentemente, para o
atingimento dos seus objetivos. Nesse sentido, a própria ouvidora do
Departamento Penitenciário / Depen, Sra. Maria Gabriela Viana Peixoto, por
ocasião da visita, declarou que "... a situação encontrada em Sergipe
possui as mesmas características do sistema carcerário". Porém, o "blog
Observatório do SUS" percebe esforços locais para amenizar as
adversidades enfrentadas pela gestão da unidade no sentido de proporcionar
melhor acolhimento aos internos, como o envolvimento deles em atividades
lúdicas a exemplo de passeios a parques e praias. Também são estabelecidas
parcerias com instituições que possibilitam a oferta de cursos
profissionalizantes (eletricista residencial, pintor residencial, pedreiro,
jardinagem) e os internos praticam as habilidades da formação em tarefas de
manutenção da própria estrutura da instituição.
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Sabemos
que a Reforma Psiquiátrica Brasileira trabalha na perspectiva da substituição
progressiva dos hospitais psiquiátricos tradicionais por serviços abertos e
competentes para disponibilizar tratamento e formas de atenção dignas e
diversificadas aos problemas de saúde mental da população de todas as faixas
etárias e apoio às famílias, promovendo autonomia, descronificação e
desinstitucionalização. O êxito dessa reforma, entretanto, passa pela adequada
articulação dos serviços de saúde com serviços das áreas de ação social, cidadania,
cultura, educação, lazer, trabalho e renda, etc. E, no principio e no fim dessa
cadeia de produção de ações e serviços precisa estar o apoio irrestrito da
sociedade na sua mais ampla dimensão. A questão é que estamos tratando de
doença mental associada à prática delituosa ou seja, do louco infrator, e a
loucura enfrenta exclusão e preconceito sociais, seculares.
O cenário aqui
retratado, portanto, ilustra os desafios que os manicômios judiciários
representam para a Reforma Psiquiátrica. Trata-se da construção de novo
paradigma para um segmento historicamente situado à margem, inclusive do
Sistema Público de Saúde, motivo pelo qual encontra resistência na rede de
atenção extra-hospitalar de saúde mental, na rede SUS em geral, nas comunidades
de origem dos pacientes e nos órgãos de justiça. Para tanto, o Ministério da
Saúde vem apoiando experiências interinstitucionais bem sucedidas, que busquem
tratar o louco infrator fora do manicômio judiciário, na rede SUS
extra-hospitalar de atenção à saúde mental, residências terapêuticas,
ambulatórios e centros de convivência, especialmente nos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), mas este processo, ainda em curso, não se dá sem
dificuldades.
Por fim, a Lei nº 10.216/2001, mais conhecida como Lei Antimanicomial, representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais, econômicas e as discriminações impostas às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. Entretanto, os adjetivos utilizados pelo representante do CNPCP em visita de inspeção ao afirmar "... Aquilo não é um hospital, é uma prisão onde estão sendo depositados doentes mentais em condições desumanas. Eu como conselheiro vou propor a interdição” configuram excessos verbais característicos de quem não se preocupou em conhecer com a devida profundidade a seriedade do trabalho que é desenvolvido e, consequentemente, não tem responsabilidade com a opinião que emite.
Por fim, a Lei nº 10.216/2001, mais conhecida como Lei Antimanicomial, representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais, econômicas e as discriminações impostas às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. Entretanto, os adjetivos utilizados pelo representante do CNPCP em visita de inspeção ao afirmar "... Aquilo não é um hospital, é uma prisão onde estão sendo depositados doentes mentais em condições desumanas. Eu como conselheiro vou propor a interdição” configuram excessos verbais característicos de quem não se preocupou em conhecer com a devida profundidade a seriedade do trabalho que é desenvolvido e, consequentemente, não tem responsabilidade com a opinião que emite.
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