terça-feira, 24 de novembro de 2015

Educador da Funesa realiza pesquisa Sistema Prisional




Um  estudo  realizado  pelo educador   José  Francisco de Santana  do   Núcleo  de Análises e Pesquisas em  Políticas de Segurança e Cidadania (NAPSEC) acerca do perfil dos presos no Estado de Sergipe.  O estudo dentificou que "apesar das políticas públicas voltadas para o preso, em Sergipe, não há programas ou projetos desenvolvidos pelo Estado para o acompanhamento dos egressos do sistema prisional". O estudo concluiu que a situação em Sergipe não difere da maioria dos Estados brasileiros, mas que há potencial para ajustes e melhorias. Não se pretende, com esse artigo, apreciar as minúcias implicadas na delinquência e ou   criminalidade humanas uma vez que as referidas temáticas nos obrigariam a enveredar pelos campos da filosofia, sociologia e antropologia, no mínimo. Entretanto, considero oportuno enfatizar que parece haver um equivoco quando pessoas investidas de alguma autoridade conferida pela sociedade exige, em público, um sistema prisional de alto nível no Brasil, quando sabemos que o sistema educacional público brasileiro margeia níveis elementares de qualidade. 

O que se pretende com esta publicação é contextualizar episódios recentes que foram difundidos na mídia local, por ocasião da visita de representantes do Departamento Penitenciário (DEPEN) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do estado de Sergipe. Não tomarei como surpresa, porém, o fato de algum leitor não perceber a relação da linha editorial desse blog com a temática colocada nesse momento; por isso, preventivamente, esclareço que o tema em questão guarda estreita relação com a Reforma Psiquiátrica Brasileira, a qual foi instituída em nosso país a partir da Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001, sendo necessária, para guardar sintonia com o Sistema Único de Saúde / SUS, o qual surgiu por força da Constituição Federal de 1988. De maneira geral, a Reforma Psiquiátrica Brasileira incorporou as reivindicações do Movimento da Luta Antimanicomial; que se caracteriza pela luta pelos direitos das pessoas com sofrimento mental. Dentro desta luta está o combate à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento mental em nome de pretensos tratamentos; ideia baseada apenas nos preconceitos que cercam a doença mental. O referido movimento enfatiza que, como todo cidadão, estes indivíduos têm o direito fundamental à liberdade, o direito a viver em sociedade, além do direto a receber cuidado e tratamento sem que para isto tenham que abrir mão das prerrogativas de cidadãos.

Nesse sentido, o HCTP representa um equipamento do Governo Estadual, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa ao Consumidor que integra o Sistema Prisional do Estado. Entretanto, não deve ser confundido com uma unidade prisional pois trata-se de uma unidade de saúde para onde são encaminhados indivíduos inimputáveis que cometeram  cometem um delito penal. A esses sujeitos é aplicada a sentença definida como "Absolvição Imprópria" a qual declara que o fato cometido é típico e ilícito mas o autor da infração penal é inimputável. Logo, não poderá cumprir pena pela conduta ilícita cometida e sim cumprirá Medida de Segurança, sob forma de internação compulsória ou de tratamento ambulatorial. É procedente observar que a medida de segurança não tem a natureza retributiva como a pena; pelo contrário, a internação compulsória e o tratamento ambulatorial aplicados ao inimputável ou semi-imputável devem ser considerados recursos terapêuticos objetivando a recuperação e reinserção social do sujeito e não um castigo (Artigo 4º da Lei 10.216/2001). No afinco de perseguir a sua missão institucional, o HCTP possui em seus quadros trabalhadores da área administrativa e área de segurança; além de profissionais das várias formações do campo da saúde a exemplo de assistente social, farmacêutico, nutricionista, odontólogo, psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, e um corpo de enfermagem constituído por enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem, presente vinte e quatro horas na unidade.  A quase totalidade dos profissionais da saúde que atuam no HCTP são oriundos do Sistema Único de Saúde / SUS de Sergipe e desempenham as suas atividades neste lugar em função de um Termo de Cooperação assinado entre as Secretarias da Saúde e da Justiça. Esses trabalhadores, portanto, representam a presença ininterrupta do SUS na unidade hospitalar; o que contribui com as ações empreendidas pela direção da unidade no sentido do acolhimento e integração entre os internos, objetivando a ressocialização.

É fato inconteste que o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Sergipe / HCTP, a exemplos de outras unidades "sui generis" do país, possui problemas estruturais, logísticos e operacionais que comprometem as condições para as boas práticas laborais e, consequentemente, para o atingimento dos seus objetivos. Nesse sentido, a própria ouvidora do Departamento Penitenciário / Depen, Sra. Maria Gabriela Viana Peixoto, por ocasião da visita, declarou que "... a situação encontrada em Sergipe possui as mesmas características do sistema carcerário". Porém, o "blog  Observatório do SUS" percebe esforços locais para amenizar as adversidades enfrentadas pela gestão da unidade no sentido de proporcionar melhor acolhimento aos internos, como o envolvimento deles em atividades lúdicas a exemplo de passeios a parques e praias. Também são estabelecidas parcerias com instituições que possibilitam a oferta de cursos profissionalizantes (eletricista residencial, pintor residencial, pedreiro, jardinagem) e os internos praticam as habilidades da formação em tarefas de manutenção da própria estrutura da instituição.  




Sabemos que a Reforma Psiquiátrica Brasileira trabalha na perspectiva da substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos tradicionais por serviços abertos e competentes para disponibilizar tratamento e formas de atenção dignas e diversificadas aos problemas de saúde mental da população de todas as faixas etárias e apoio às famílias, promovendo autonomia, descronificação e desinstitucionalização. O êxito dessa reforma, entretanto, passa pela adequada articulação dos serviços de saúde com serviços das áreas de ação social, cidadania, cultura, educação, lazer, trabalho e renda, etc. E, no principio e no fim dessa cadeia de produção de ações e serviços precisa estar o apoio irrestrito da sociedade na sua mais ampla dimensão. A questão é que estamos tratando de doença mental associada à prática delituosa ou seja, do louco infrator, e a loucura enfrenta exclusão e preconceito sociais, seculares. 


O cenário aqui retratado, portanto, ilustra os desafios que os manicômios judiciários representam para a Reforma Psiquiátrica. Trata-se da construção de novo paradigma para um segmento historicamente situado à margem, inclusive do Sistema Público de Saúde, motivo pelo qual encontra resistência na rede de atenção extra-hospitalar de saúde mental, na rede SUS em geral, nas comunidades de origem dos pacientes e nos órgãos de justiça. Para tanto, o Ministério da Saúde vem apoiando experiências interinstitucionais bem sucedidas, que busquem tratar o louco infrator fora do manicômio judiciário, na rede SUS extra-hospitalar de atenção à saúde mental, residências terapêuticas, ambulatórios e centros de convivência, especialmente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), mas este processo, ainda em curso, não se dá sem dificuldades.

Por fim, a Lei nº 10.216/2001, mais conhecida como Lei Antimanicomial, representa um avanço, uma tentativa válida de emprestar dignidade e atenuar as limitações sociais, econômicas e as  discriminações impostas às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. Entretanto, os adjetivos utilizados pelo representante do CNPCP em visita de inspeção ao afirmar  "... Aquilo não é um hospital, é uma prisão onde estão sendo depositados doentes mentais em condições desumanas. Eu como conselheiro vou propor a interdição”  configuram excessos verbais característicos de quem não se preocupou em conhecer com a devida profundidade a seriedade do trabalho que é desenvolvido e, consequentemente, não tem responsabilidade com a opinião que emite.



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